Introdução ao Direito Previdenciário

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Autor

Igor MENDONÇA

Data de Publicação

30 de julho de 2023

1 O Direito Previdenciário como ramo do Direito Público

A divisão do Direito em ramos e em disciplinas jurídicas é traçada por conveniência didática e de pesquisa. As produções bibliográficas de maior influência em cada área tendem a ter seu elenco de temas seguido pelos autores subsequentes, já que inexiste uma divisão “natural” do Direito. As instituições de ensino superior, de sua parte, costumam reproduzir o sumário dessas obras doutrinárias em suas ementas e programas, obedecidas as diretrizes curriculares governamentais.

Para fim de aclaramento terminológico, chamam-se ramos do Direito suas divisões autônomas, que possuem um arcabouço normativo próprio. Por exemplo, o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Administrativo etc, são ramos do Direito. Disciplinas jurídicas são as menores subdivisões de cada ramo do Direito. Nesse sentido, o Direito das Obrigações é uma das disciplinas do Direito Civil, o Direito Penal Ambiental é uma das disciplinas do Direito Penal e o Direito Administrativo Econômico é uma das disciplinas do Direito Administrativo.

Costuma-se agrupar os ramos do Direito em dois grandes ramos principais: o Direito Público e o Direito Privado. O primeiro diz respeito às relações jurídicas entre os particulares e o Poder Público e às relações entre entes públicos, enquanto o segundo diz respeito às relações dos particulares entre si. Nesse sentido, o Direito Civil é considerado um ramo do Direito Privado, enquanto o Direito Tributário é reconhecido como um ramo do Direito Público. Não obstante, a dicotomia Direito Público/Direito Privado tem sido cada vez mais questionada, tendo em conta o crescente influxo de normas de ordem pública no Direito Privado e vice-versa. Mas a diferenciação ainda é útil para fins didáticos, tendo em conta a predominância das relações jurídicas reguladas e dos interesses envolvidos.

Atualmente, o Direito Previdenciário possui status de ramo autônomo do Direito Público, conforme a doutrina majoritária.1 Isso porque, em geral, as normas previdenciárias referem-se à relação jurídica entre um particular (o beneficiário) e um ente público que lhe garante proteção contra riscos sociais predeterminadas. E, mesmo nas situações em que uma pessoa jurídica de Direito Privado garante proteção previdenciária a alguém (por exemplo, na previdência complementar privada), existe uma forte regulação por normas de ordem pública, inderrogáveis pela vontade das partes.

A autonomia do Direito Previdenciário é reconhecida em razão da existência de um arcabouço normativo próprio (autonomia normativa), de uma extensa produção doutrinária (autonomia científica), e do ensino através de componente curricular apartado dos outros ramos do Direito (autonomia didática).

De toda forma, a divisão do Direito em ramos e disciplinas jurídicas é artificial e só tem sentido considerando os objetivos que temos ao fazê-la. É comum que um ramo do Direito ganhe autonomia a partir de uma subdivisão de outro ramo, em função de fatores históricos. No Brasil, o objeto de estudo do Direito Previdenciário era, inicialmente, tratado pelo Direito do Trabalho2 A evolução da proteção social do trabalhador, com o Poder Público assumindo a maior parte dos riscos inerentes ao trabalho, mudou esse cenário.

Apesar de a divisão do Direito ser artificial, é esperado que os temas tratados por cada ramo e disciplina jurídica possuam ancoragem nas escolhas organizacionais do constituinte e do legislador infraconstitucional, uma vez que o objeto de estudo da Ciência do Direito são os textos normativos (ao menos para o pensamento jurídico predominante). Por isso, o processo que culmina na autonomia científica e didática de um ramo do Direito é fortemente condicionado pela autonomia normativa, ou seja, pela existência de um complexo normativo destacado, com suas regras e princípios característicos.

Tendo isso em mente, iremos adiante delimitar o objeto de estudo do Direito Previdenciário no Brasil, considerando a organização da seguridade social pela Constituição de 1988 e as normas infraconstitucionais atinentes à matéria.

2 A seguridade social no contexto da ordem social da Constituição de 1988

Sem dúvida, a evolução do Direito Previdenciário como ramo autônomo ganhou forte impulso no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988, que, ao contrário das anteriores, sistematizou as diversas estratégias de ação da sociedade e do Estado para a promoção do bem-estar e da justiça sociais.

O Título VIII da Constituição estabelece a “Ordem Social” e se subdivide em oito capítulos:

I - Disposição Geral; II - Da Seguridade Social; III - Da Educação, da Cultura e do Desporto; IV - Da Ciência, Tecnologia e Inovação; V - Da Comunicação Social; VI - Do Meio Ambiente; VII - Da Família, da Criança do Adolescente, do Jovem e do Idoso e VIII - Dos Índios.

Por sua vez, o Capítulo denominado “Da Seguridade Social” é estruturado nas seguintes seções: I - Disposições Gerais; II - Da Saúde; III - Da Previdência Social; IV - Da Assistência social.

Pode-se dizer que todos os capítulos do Título “Da Ordem Social” instituem sistemas normativos próprios que visam a enfrentar, de modos distintos, o objetivo geral da ordem (no sentido de “ordenação”, ou “organização”) social, estabelecido pelo art. 193 da Constituição: promover o bem-estar e a justiça sociais.

Nesse contexto, a seguridade social, caracteriza-se como um sistema normativo que tem em vista a cobertura de riscos sociais. Nisso consiste o seu traço distintivo em relação aos demais conjuntos normativos da ordem social (educação, cultura, desporto, ciência e tecnologia etc.).

Riscos ou contingências sociais são eventos que ameaçam as condições de vida digna das pessoas e que, por esse motivo, merecem especial proteção. A pessoa atingida por um desses riscos faz jus a um conjunto de ações, custeadas por toda a sociedade. Por esse prisma, a instituição de um sistema de seguridade social é uma técnica de socialização de riscos individuais, de maneira que cada pessoa atingida por eles não precise arcar, sozinha, com o ônus respectivo.

São exemplos de contingências sociais: a morte do trabalhador que possua dependentes, a incapacidade para o trabalho, a extrema pobreza, a doença, a velhice, a deficiência etc.

A seguridade social, entretanto, não é a única técnica existente de socialização de riscos. Basta pensar no contrato de seguro, regido pelo Direito Civil (Código Civil, art. 757). Pelo contrato de seguro, “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.” É evidente que a socialização dos riscos individuais, neste caso, se dá apenas entre os contratantes, inclusive aqueles para quem o risco não se verifica, mas que também estão obrigados ao pagamento do prêmio (Código Civil, art. 764). Em outras palavras, o universo de pessoas que arcam com os ônus econômicos dos riscos individuais é sempre superior ao universo de pessoas que sofrem sinistros, sob pena de insustentabilidade do sistema.

Quando falamos em seguridade social, por outro lado, estamos tratando de um modelo público de socialização de riscos. Neste modelo, é compulsória a participação de todas as pessoas que se encontrem nas situações descritas em lei, ao menos no que se refere ao custeio do sistema.

O sistema de seguridade social prevista na Constituição de 1988, porém, não é uno, mas tripartido. Cada um dos subsistemas nos quais a seguridade se divide diferencia-se em função de seus objetivos específicos, dos destinatários da proteção, e da contributividade.

3 A tripartição do sistema de seguridade social

Nos termos do caput do art. 194 da Constituição de 1988, “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Uma vez que a seguridade social é um sistema normativo que pretende proteger as pessoas contra contingências sociais, que diferença existe entre suas subdivisões, ou subsistemas normativos (saúde, previdência e assistência)?

Pode-se dizer que uma primeira distinção reside no objetivo específico de cada um dos subsistemas. Assistência, previdência e saúde possuem um modo peculiar de enfrentar o objetivo geral da ordem social, que é garantir o bem-estar e a justiça sociais.

A saúde é o subsistema da seguridade que visa, de acordo com o texto constitucional (art. 196, caput), à “redução do risco de doença e de outros agravos.

A previdência social, a partir da interpretação dos incisos do caput do art. 201 da Constituição, visa a cobrir riscos relacionados à possibilidade de o trabalhador prover a própria manutenção e de sua família com os rendimentos de seu trabalho.

A assistência social, por último, tem seis objetivos, estabelecidos pelos incisos do art. 203 da Constituição Federal, todos expressando o risco de vulnerabilidade socioeconômica.

Os três subsistemas também se distinguem quanto a seus destinatários.

A assistência social será prestada “a quem dela necessitar”, de acordo com o caput do 203 da Constituição.

A previdência social, por sua vez, organiza-se na forma do Regime Geral de Previdência Social, de “filiação obrigatória”, devendo-se entender, por isso, que é reservada apenas a seus filiados.

Já a saúde é um “direito de todos”, de acordo com o art. 196, caput, da Constituição Federal.

Finalmente, os subsistemas da seguridade distinguem-se em função da contributividade, entendida como a necessidade de contribuições para que o destinatário da proteção a ela faça jus.

O acesso às ações e serviços de saúde é “universal e igualitário”, ou seja, independe de contribuições (art. 196, caput).

Da mesma maneira, a assistência social é prestada “independentemente de contribuição à seguridade social” (art. 203, caput).

Por outro lado, o Regime Geral de Previdência Social (e também os regimes próprios, como veremos adiante) possui “caráter contributivo” (art. 201, caput).

Disso decorrem as definições abaixo, para cada um dos subsistemas normativos identificados.

A saúde é o subsistema não-contributivo e universal de prestações dos poderes públicos e da sociedade que tem por objetivo a redução do risco de doenças e outros agravos, através de ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

A previdência social é o subsistema contributivo de prestações dos poderes públicos e da sociedade que tem por objetivo amparar seus filiados na ocorrência de riscos a sua aptidão para manter a si mesmo e sua família com os rendimentos do trabalho.

A assistência social é o subsistema não-contributivo de prestações dos poderes públicos e da sociedade que visa a cobrir o risco de vulnerabilidade socioeconômica, provendo um mínimo social aos necessitados.

Abaixo, encontra-se um resumo esquemático da organização da seguridade social e da distinção entre seus subsistemas:

G Seguridade Social Seguridade Social Saúde Saúde Seguridade Social->Saúde Previdência Social Previdência Social Seguridade Social->Previdência Social Assistência Social Assistência Social Seguridade Social->Assistência Social
Saúde Previdência social Assistência social
Objetivos específicos cobrir o risco de doença e de outros agravos cobrir riscos ligados à aptidão para sobreviver com os rendimentos do trabalho cobrir o risco de vulnerabilidade socioeconômica
Destinatários todos filiados necessitados
Contributividade não sim não

4 O objeto de estudo do Direito Previdenciário tendo por referência a organização constitucional da seguridade social.

É correto dizer que existe um ramo do Direito mais amplo que o Previdenciário: o “Direito da Seguridade Social”3, incluindo o estudo dos três subsistemas citados. No entanto, é incomum encontrar bibliografia que os aborde em sua integralidade, devido a à complexidade e extensão dessas matérias. Apesar de a Constituição estabelecer as regras e princípios fundamentais da seguridade social, para que cada um dos subsistemas normativos da seguridade torne-se operativo, exige-se um amplo e pormenorizado desenvolvimento através de textos infraconstitucionais (leis, decretos, instruções normativas, portarias etc).

Por isso, a produção bibliográfica nacional sobre seguridade social costuma dividir-se entre obras de Direito Previdenciário e de Direito Sanitário (ou Direito da Saúde), sendo que o subsistema de assistência social é assunto tratado nos livros de Direito Previdenciário.

Apesar de art. 201 da Constituição só fazer menção ao Regime Geral de Previdência Social (art. 201 da Constituição), também fazem parte da matéria “Direito Previdenciário” os regimes próprios e complementares, dos quais trataremos adiante.

Por último, o financiamento da seguridade social, cujas regras fundamentais estão no art. 195 da Constituição Federal, é também assunto que compõe o sumário dos livros de Direito Previdenciário. Mas a doutrina tributarista também se ocupa da matéria, haja vista que as contribuições sociais possuem natureza tributária4, conforme o Supremo Tribunal Federal já pacificou.5

Em resumo, o Direito Previdenciário, no Brasil, é o ramo do Direito Público que estuda os textos normativos relacionados aos seguintes temas: - proteção previdenciária dos filiados a todos os regimes previdenciários existentes no ordenamento jurídico nacional; - proteção assistencial aos necessitados e - custeio do sistema de seguridade social.

G Direito Previdenciário Direito Previdenciário Previdência Social Previdência Social Direito Previdenciário->Previdência Social Assistência Social Assistência Social Direito Previdenciário->Assistência Social Custeio da Seguridade Social Custeio da Seguridade Social Direito Previdenciário->Custeio da Seguridade Social Direito Sanitário (ou da Saúde) Direito Sanitário (ou da Saúde) Saúde Saúde Direito Sanitário (ou da Saúde)->Saúde

5 Relação com os outros ramos do Direito

Embora o Direito Previdenciário possua autonomia normativa, científica e didática, diversos outros ramos do Direito com ele se relacionam. O conhecimento prévio da história, dos principais institutos e normas fundamentais desses outros ramos possibilita um melhor entendimento do nosso objeto de estudo.

5.1 Direito Previdenciário e Direito Constitucional

No Brasil, não há ramo do Direito que tenha ficado imune ao processo de constitucionalização. O Direito Previdenciário, por exemplo, é especialmente constitucionalizado. Isso significa que muitos dos seus princípios e regras são encontrados no texto constitucional. Nossa Constituição é bastante prolixa em matéria previdenciária e várias emendas constitucionais trataram do tema.

Além disso, o conhecimento da dogmática constitucional é indispensável, uma vez que os direitos subjetivos às prestações da seguridade social possuem natureza de direitos fundamentais6.

5.2 Direito Previdenciário e Direito Administrativo

A relação jurídica entre os destinatários das prestações da seguridade social e os entes públicos que executam as políticas públicas é de natureza administrativa, ou seja, é regida por normas derrogatórias e exorbitantes do direito comum. Não há, por exemplo, margem para que um trabalhador negocie as cláusulas de sua proteção previdenciária. Além disso o regramento previdenciário dos servidores públicos estatuários costuma estar na mesma lei que dispõe sobre o seu regime funcional (no caso da União, por exemplo, a Lei nº 8.112/90 dispõe sobre as matérias).

Relaciona-se com o Direito Administrativo, também, o regramento do processo administrativo para a concessão e revisão dos benefícios previdenciários e assistenciais, que possui disposições próprias, aplicando-se, subsidiariamente, a Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/1999).

São também matérias típicas de Direito Administrativo a organização e a competência dos entes formuladores e executores das políticas públicas no âmbito da seguridade social (ministérios, autarquias etc).

Existem, ainda, convênios e outros ajustes firmados entre entidades privadas e entes públicos para a promoção das políticas públicas da seguridade social, regidos pelo Direito Administrativo (V. Lei 9.637/1998 e a Lei 9.790/1999).

5.3 Direito Previdenciário e Direito Tributário

As contribuições sociais estão inseridas no sistema tributário nacional e a elas se aplicam – além das disposições constitucionais – as normas gerais do Código Tributário Nacional (recebido com status de lei complementar), nos termos do art. 149 c/c o art. 146, III, da Constituição.

Deve-se atentar, porém, que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal responsável por operar o regime geral de previdência social, não possui capacidade tributária ativa. Desde a Lei 11.457/2007 (art. 2º), o ente que fiscaliza, arrecada e cobra as contribuições sociais previdenciárias é própria União, através da Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão do Ministério da Fazenda.

5.4 Direito Previdenciário e Direito do Trabalho

O contrato individual de trabalho (art. 442 da CLT), que origina a relação de emprego, é um dos fatos geradores da relação jurídica previdenciária. O empregado é uma das espécies de segurados obrigatórios do regime geral de previdência social (art. 11, inciso I, da Lei 8.213/1991). Consequentemente, vários eventos relacionados ao contrato de trabalho são também fatos com repercussão previdenciária, como a incapacidade laboral, o acidente de trabalho, a despedida etc.

Do mesmo modo, alguns eventos de natureza previdenciária possuem implicações trabalhistas, como é o caso da concessão de benefício por incapacidade ao acidentado do trabalho, que gera estabilidade provisória no emprego (art. 118 da Lei 8.213/1991).

5.5 Direito Previdenciário e Direito Civil

Prestação, obrigação, sujeito ativo, sujeito passivo e inadimplemento são exemplos de conceitos típicos do Direito das Obrigações, disciplina do Direito Civil, que encontram uso no Direito Previdenciário.

Do mesmo modo, toda a construção doutrinária civilista em torno da prescrição e da decadência é de grande importância para entender os prazos extintivos no Direito Previdenciário, regulados pelos arts. 103 a 105 da Lei 8.213/1991.

O Direito de Família também possui relações com o Direito Previdenciário. A legislação previdenciária, quando trata da relação de dependência (art. 16 da Lei 8.213/1991) remete a vários conceitos daquela disciplina, como os de filiação, casamento, união estável, maioridade etc.

Finalmente, algumas relações regradas pelo Direito Previdenciário possuem natureza contratual, como a relação entre os entes de previdência complementar privada e seus participantes. Mas devido à importância desse campo de atuação econômica, existe forte regulamentação estatal desses contratos (v. art. 202 da Constituição e Lei Complementar 109/2001).

5.6 Direito Previdenciário e Direito Penal

O Direito Penal tipifica alguns crimes previdenciários: estelionato previdenciário (art. 171, § 3º, do Código Penal), apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP), falsificação de documento público para fins previdenciários (art. 297, § 3º, CP) e sonegação fiscal previdenciária (art. 337-A, CP).

Alguns conceitos básicos de Direito Penal também são utilizados pelo Direito Previdenciário, como os de dolo e de inimputabilidade (v., por exemplo, o art. 16, § 7º, da Lei 8.213/1991).

5.7 Direito Previdenciário e Direito Processual Civil

Atualmente, o processo civil é reconhecido como um instrumento de tutela substancial de direitos subjetivos, e não mais como uma mera sucessão de atos dirigida por um fetiche formalista que, por vezes, impedia a aplicação do direito material ao caso concreto.

Daí porque se diz que um dos princípios que vigoram no direito processual é o da adequação7, que prescreve uma modalidade de tutela diferenciada em função da natureza do direito material envolvido no processo.

Uma das aplicações do princípio da adequação no Direito Previdenciário foi a criação do sistema dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001), que objetivou dar resposta célere às inúmeras demandas ajuizadas na Justiça Federal, sendo a maioria delas de natureza previdenciária. Outro exemplo é a Lei 14.331/2022, que promoveu importantes alterações nos processos envolvendo benefícios previdenciários por incapacidade, através da inclusão do art. 129-A na Lei n.º 8.213/1991.

Não há, a rigor, um “processo previdenciário” como procedimento autônomo. O que existem são disposições especiais que buscam adaptar os procedimentos às exigências da tutela previdenciária, que envolve, na maioria das vezes, pessoas em situação de vulnerabilidade social. Com menos rigor terminológico, no entanto, costuma-se falar em “processo previdenciário” para aludir ao processo civil no qual se discute matéria previdenciária ou assistencial.

5.8 Direito Previdenciário e ciências não jurídicas

Este tópico não pretende exaurir as formas de diálogo entre o Direito Previdenciário e os demais ramos do Direito, mas apenas apenas demonstrar a importância de se estudar a matéria com atenção aos conceitos fundamentais aprendidos nas outras disciplinas jurídicas, em especial aquelas que foram citadas nos itens precedentes.

Vários conhecimentos provenientes de ciências não jurídicas também são importantes para o Direito Previdenciário, como a Ciência Atuarial (ramo da Matemática que se ocupa em avaliar riscos financeiros, especialmente no que toca a seguros e planos de previdência), a Economia (ciência social que estuda que a produção, distribuição, troca e consumo de bens e serviços em uma sociedade) e a Medicina (ciência e arte que cuida do diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças) etc.

A litigância em matéria previdenciária é uma litigância de massa, no sentido de que existe sempre um grande volume de demandas envolvendo a matéria. De acordo com dados do CNJ, o Instituto Nacional do Seguro Social é o maior litigante do País8.

Por isso, um campo de estudo interdisciplinar que tem angariado bastante interesse é o da Jurimetria. A Jurimetria pode ser definida como uma área interdisciplinar que se ocupa da aplicação de métodos quantitativos ao Direito9 e que utiliza ferramentas da Estatística e da Computação para, entre outras aplicações, modelar procedimentos e prever decisões judiciais.

Tudo isso para dizer que o profissional do Direito, a cada dia mais, é chamado a possuir conhecimentos em várias outras áreas do saber humano, a fim de compreender seu próprio ramo de estudo e desempenhar bem o seu trabalho.

Referências

AMADO, F. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 7ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
DIAS, E. R.; MACÊDO, J. L. M. DE. Curso de Direito Previdenciário. 3. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2012.
DIDIER, F. Curso de Direito Processual Civil. 17. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015. v. 1
GARCIA, G. F. B. Manual de Direito Previdenciário. 6. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2022.
GÓES, H. Manual de Direito Previdenciário. São Paulo: Grupo GEN, 2022.
LAZZARI, J. B.; CASTRO, C. A. P. DE. Direito Previdenciário. São Paulo: Grupo GEN, 2021.
LEITÃO, A. S. Manual de Direito Previdenciário. São Paulo: Editora Saraiva, 2018.
MARTINS, S. P. Direito da Seguridade Social. 39. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020.
PAULSEN, L.; VELLOSO, A. P. Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. p. 103
ZABALA, F. J.; SILVEIRA, F. F. Jurimetria: estatística aplicada ao direito. Revista Direito e Liberdade, v. 16, n. 1, p. 87–103, 2014.

Notas de rodapé

  1. AMADO (2015); GÓES (2022), p. 80; LEITÃO (2018), p. 122; DIAS; MACÊDO (2012), p. 61; LAZZARI; CASTRO (2021), p. 23.↩︎

  2. GARCIA (2022), p.↩︎

  3. MARTINS (2020); GARCIA (2022), p.36.↩︎

  4. PAULSEN; VELLOSO (2019), p. 103.↩︎

  5. RE 146.733-9/SP, rel. Min. Moreira Alves.↩︎

  6. CRFB. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (grifos acrescidos ao original).↩︎

  7. “O princípio da adequação pode ser visualizado em três dimensões: a) legislativa, como informador da produção legislativa das regras processuais; b) jurisdicional, permitindo ao juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento às peculiaridades da causa que lhe é submetida; c) negocial: o procedimento é adequado pelas próprias partes, negocialmente.” (DIDIER (2015)).↩︎

  8. V. https://grandes-litigantes.stg.cloud.cnj.jus.br/↩︎

  9. ZABALA; SILVEIRA (2014), p. 87-103.↩︎

Reuso

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