Manutenção, perda e reaquisição da qualidade de segurado

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Autor

Igor MENDONÇA

Data de Publicação

14 de setembro de 2023

1 Aquisição da qualidade de segurado

A qualidade de segurado do RGPS é adquirida pela filiação. Para os segurados obrigatórios, a “filiação à previdência social decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada.” Já para os segurados facultativos, a filiação decorre da prévia inscrição e do pagamento da primeira contribuição previdenciária, tudo nos termos do § 1º do art. 20 do RPS.

É correto dizer, portanto, que a filiação dos segurados obrigatórios precede a inscrição (que ocorre na forma do art. 18, I a V do RPS), enquanto a filiação dos segurados facultativos sucede a inscrição (que ocorre na forma do inciso VI do mesmo artigo). Saber exatamente quando se inicia e quando se finda a qualidade de segurado é essencial para verificar a existência do direito a algum benefício previdenciário. Isso porque, em regra, os elementos constitutivos do fato gerador da prestação previdenciária devem ocorrer durante o período de manutenção da qualidade de segurado. Um exemplo poderá esclarecer a questão.

Digamos que a filiação de um segurado do RGPS ocorreu em 02/10/2019 e a perda da qualidade de segurado, em 04/05/2022. Se essa pessoa vier a falecer em 05/05/2022, via de regra, seus dependentes não terão direito à pensão por morte (art. 74, caput, LBPS). Já se o óbito tivesse ocorrido no dia anterior, a concessão da pensão por morte seria devida aos dependentes do segurado.

2 Período contributivo

O § 2º do Art. 22 do RPS (Dec. 3.048/99) define período contributivo, para cada categoria de segurados:

Art. 31. (…). § 22. Considera-se período contributivo: I - para o empregado, inclusive o doméstico, e o trabalhador avulso - o conjunto de competências em que houve ou deveria ter havido contribuição em razão do exercício de atividade remunerada sujeita à filiação obrigatória ao RGPS, observado o disposto no art. 19-E; ou II - para os demais segurados, inclusive o facultativo: o conjunto de meses de efetiva contribuição ao regime de que trata este Regulamento.

A partir do momento em que ocorre a filiação, inicia-se o período contributivo do segurado. Como já vimos, as contribuições podem ser reais (efetivamente recolhidas), presumidas (quando a obrigação de arrecadá-las e recolhê-las é de um terceiro), ou ainda dispensadas (caso do segurado especial, para os benefícios elencados no art. 39, I, e parágrafo único da LBPS, no valor de até um salário-mínimo mensal).

Mantém-se a qualidade de segurado durante todo o período contributivo e, além dele, nos chamados “períodos de graça.”

3 Períodos de graça

Seria intuitivo pensar que o segurado mantém essa qualidade apenas no período contributivo. Mas isso não é exato.

O art. 15 da LBPS concede ao segurado alguns períodos adicionais, em que, mesmo após cessadas as contribuições previdenciárias, o segurado mantém essa qualidade. São os chamados “períodos de graça.” O art. 15 da Lei 8.213/91 estabelece esses lapsos temporais, que são resumidos na tabela abaixo:

Segurado Período de graça (meses) Fundamento (art. 15)
em gozo de benefício previdenciário (exceto auxílio-acidente) sem limite inciso I
que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pelo RGPS, ou que estiver suspenso ou licenciado sem remuneração até 12, após a cessação das contribuições. inciso II
acometido de doença de segregação compulsória até 12, após cessar a segregação inciso III
detido ou recluso até 12, após o livramento inciso IV
incorporado às Forças Armadas para prestar o serviço militar até 3, após o licenciamento inciso V
facultativo até 6, após a cessação das contribuições inciso VI

Há, ainda, dois períodos adicionais para a hipótese descrita no inciso II, acima. São elas:

Segurado Período de graça adicional (meses) Fundamento (art. 15)
que tiver pago mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado até 12 § 1º
desempregado até 12 § 2º

As hipóteses de prorrogação do período de graça acima elencadas são cumulativas. Portanto, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pelo RGPS, ou que estiver suspenso ou licenciado sem remuneração, pode fazer jus, no máximo, a 36 meses de período de graça, se preencher ambos os requisitos (12 meses relativos ao período básico, mais 24 meses de prorrogação).

Uma observação é necessária sobre a prorrogação a que se refere o § 2º do art. 15 (segurado que se mantém desempregado).

O dispositivo exige a comprovação da situação de desemprego através de “registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.” Porém, de acordo com a jurisprudência, esse registro é apenas um meio de prova e não afasta a possibilidade de se comprovar o desemprego por outros meios. Nesse sentido:

4 Perda da qualidade de segurado

Estabelece o § 3º do art. 15 da LBPS que, durante os prazos previstos naquele artigo “o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.” É o mesmo que dizer que, durante os períodos de graça, mantém-se a qualidade de segurado do RGPS.

Passados todos os prazos aplicáveis ao caso concreto, ocorrerá a perda da qualidade de segurado, que, conforme o art. 102 da LBPS, importa “em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.” Parece-nos que o termo “caducidade” foi usado de forma inexata. Melhor seria dizer que a perda da qualidade de segurado extingue a relação jurídica previdenciária. Com isso, ressalvadas as hipóteses de direito adquirido, o fato posterior ao termo final do período de graça aplicável ao caso concreto não gerará direito a nenhuma prestação previdenciária.

É importante, dessa maneira, saber o dia em que ocorre a perda da qualidade de segurado.

Diz o § 4º do art. 15 da LBPS:

Art. 15. (…) § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.

A fim de unificar a forma de contagem para todos os segurados do RGPS, o art 14 do Dec. 3.048/99 assim dispôs:

Art. 14. O reconhecimento da perda da qualidade de segurado no termo final dos prazos fixados no art. 13 ocorrerá no dia seguinte ao do vencimento da contribuição do contribuinte individual relativa ao mês imediatamente posterior ao término daqueles prazos.

Um exemplo prático será de grande valia para entender como se contam os períodos de graça.

Considere-se um segurado empregado que trabalhou de 1/10/2016 a 20/11/2018, tendo menos de 120 de contribuições acumuladas, e que, após doze meses de sua despedida, permaneceu desempregado. Até quando ele manterá a qualidade de segurado?

Primeiro, é necessário saber o número de meses que corresponde ao seu período de graça:

  • 12 meses após a cessação das contribuições (art. 15, caput, inciso II);
  • mais 12 meses, decorrente da sua situação de desemprego (art. 15, § 2º).

De acordo com o art. 14 do Dec. 3.048/99, a contagem fica da seguinte forma:

Evento Termo final
Competência da última contribuição 11/2018
Término do período de graça 11/2020
Mês imediatamente posterior 12/2020
Prazo para o recolhimento da contribuição do contribuinte individual relativa à competência 12/2020 15/01/2021
Perda da qualidade de segurado 16/01/2021

Dessa forma, no exemplo citado, a qualidade de segurado manteve-se até o dia 15/01/2020.

Orientação prática para a contagem: (i) Verificar qual é o período de graça total no art. 15; (ii) Calcular o mês final, tomando como início o mês da cessação das contribuições; (iii) Adicionar um mês “cheio”; (iv) A contagem finalizará no dia 15 do mês seguinte ao do mês cheio adicionado.

5 Casos notáveis

Via de regra, a perda da qualidade de segurado implica a não concessão de benefícios decorrentes de fatos geradores ocorridos a partir daquela data. Há, todavia, algumas hipóteses dignas de nota, haja vista que o período contributivo incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado:

5.1 Segurado que perde essa qualidade, mas já havia preenchido todos os requisitos para aposentar-se de acordo com a legislação vigente à época

De acordo com a LBPS (art. 102, § 1º), “a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos.” Trata-se de situação de direito adquirido, que se deve proteger.1

5.2 Segurado que perde essa qualidade, mas, posteriormente, vem a reunir os requisitos para a aposentadoria por idade

Estabelece o art. 3º, § 1º, da Lei n.º 10.666/2003, que “O tempo de contribuição anterior à perda da qualidade de segurado é contado para efeito de carência da aposentadoria por idade.” Dessa forma, se o segurado, no momento que completar a idade mínima, vier a requerer a aposentadoria e contar com contribuições suficientes para cobrir o período de carência, terá deferido o benefício.

5.3 Segurado que perde essa qualidade, mas, posteriormente, vem a reunir os requisitos para aposentadoria por tempo de contribuição ou especial

A perda da qualidade de segurado não impactará no direito de o segurado gozar da aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, desde que cumpridos todos os requisitos legais (art. 3º, caput, da Lei 10.666).

5.4 Segurado que falece após a perda da qualidade, sem ter preenchido todos os requisitos para a aposentadoria

De acordo com a LBPS (art. 102, § 2º), “não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior.” Muitas ações previdenciárias nas quais o dependente do segurado falecido requer a concessão da pensão por morte giram em torno da comprovação da qualidade de segurado à época do óbito. Em geral, tenta-se comprovar o preenchimento dos requisitos para a aposentadoria, e/ou a incidência dos fatos que ensejam a extensão do período de graça (mais de 120 contribuições mensais sem perda da qualidade de segurado e desemprego).

5.5 Segurado contribuinte individual ou facultativo que falece sem nunca ter recolhido contribuições previdenciárias.

De acordo com o § 7º do art. 17 da LBPS, “Não será admitida a inscrição post mortem de segurado contribuinte individual e de segurado facultativo.”

5.6 Segurado que perde essa qualidade em decorrência de moléstia incapacitante

Súmula AGU 26. “Para a concessão de benefício por incapacidade, não será considerada a perda da qualidade de segurado decorrente da própria moléstia incapacitante.”

Esse entendimento é amplamente seguido pelo STJ e pela TNU.

6 Reaquisição da qualidade de segurado

O segurado que perde essa qualidade e, depois, filia-se novamente à Previdência terá todos os direitos decorrentes da reaquisição da qualidade de segurado.

Porém, é importante saber que alguns benefícios demandam o cumprimento de períodos de carência, ou seja, um “número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.”

A perda da qualidade de segurado implica a não contagem das contribuições anteriores para efeito de carência dos benefícios requeridos posteriormente. A redação original da Lei 8.213 mitigava essa regra, exigindo o cumprimento de apenas 1/3 da carência do benefício a ser requerido. Porém, a Lei n.º 13.457, de 2017 (resultante da conversão de MP), revogou o dispositivo. Posteriormente, a MP 871/2019, depois convertida na Lei n.º 13.846/2019, passou a exigir o cumprimento de metade dos prazos de carência previstos em Lei a partir da nova filiação.

Notas de rodapé

  1. De acordo com o art. 1º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”↩︎

Reuso

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MENDONÇA, I. Manutenção, perda e reaquisição da qualidade de segurado. Disponível em: <https://jusmendonca.quarto.pub/previ_blog/posts/manutencao-segurado/>.